Gingando pela Paz no Haiti

Relatos de um capoeirista em terras haitianas

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Em fim, algumas linhas sobre a Saudade

Posted by flaviosaudade em 15/06/2009

 

Ao contrário do que a maior parte das pessoas acreditam, uma das maiores dificuldades de quem está trabalhando e/ou morando em outro país, longe da sua família não é a saudade. A saudade é uma coisa boa e está sempre nos trazendo boas recordações. Só é possível sentir saudade daquilo que foi bom, não é mesmo? Ou alguém consegue sentir saudade de algo que lhe tenha sido ruim? 

Neste sentido, acredito que a FALTA é que seja a coisa mais difícil de se lidar quando se está longe. Hoje a saudade veio novamente visitar-me. Trouxe consigo inúmeras recordações, imagens… risos, sorrisos e olhares; cheiros, gestos e vozes… Todos eles momentos que me proporcionaram muita felicidade. No entanto, é a falta, a impossibilidade de estar perto que faz apertar o peito, calar a voz, espantar o sono e lançar o olhar no vazio. 

A saudade é uma coisa boa. E por mais que na literatura ou na música a maior parte a receba com mágoa, rancor e a deseje ver longe, ou ainda que persista na tola idéia de matá-la, hoje penso que a saudade realmente é uma coisa boa, porém imcompreendida e sumariamente injustiçada. 

Quando Tom Jobim canta “chega de saudade”, ou quando Dalva de Oliveira diz que ela é “um doce bem que nos tortura e ao coração maltrata com doçura”, ou quando a Nara diz ser a saudade uma “palavra triste”, ou ainda quando Gil diz ser a saudade um “triste resto de esperança” uma “amarga lembrança” , e isso para citar apenas alguns poucos exemplos, nada mais é que a tristeza, a melancolia pela falta. Todos eles aí, ao meu ver, fazem o mensageiro pagar pela mensagem. 

Por esta razão, mais do que nunca acredito que a saudade é boa pra quem sabe sentir. E por isso mesmo venho me esmerando para saber sentir saudade. Não é nada fácil, e devo dizer que apesar de me esforçar ao máximo ainda estou longe de realizar tal proeza.

Porém, de uma coisa estou certo: não desejo mesmo matar a saudade; saciar sim, mas matar, jamais.

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Ética ou progresso?

Posted by flaviosaudade em 25/01/2009

 

Ao ler sobre o concurso, mais especificamente sobre o tema, tive a certeza de que discorrer sobre ele seria um bom exercício, apesar de profundamente trabalhoso. E após traçar um planejamento duas idéias surgiram: A Política e a Bandeira Nacional, mais propriamente a sua inscrição. Duas coisas que no primeiro momento deveriam estar associadas, mas que na prática estão cada dia mais distantes. A única bandeira que deveria tremular mais alto dá lugar para outras das mais diferentes cores, formas e tamanhos. O progresso, que deveria reger todo e qualquer ato, confunde-se com interesses mesquinhos que se valem dos mais ardilosos artifícios para alcançar a satisfação pessoal. Apesar de a ética perpassar todas as áreas das relações humanas, na prática é flagrante que o seu exercício esteja ainda muito distante da realidade da maioria das pessoas. A própria formação da sociedade brasileira contribuiu para dificultar até mesmo a compreensão dos princípios mais fundamentais de uma sociedade. Além disso, não fomos educados para o exercício da reflexão, a construir nosso próprio conhecimento a partir do processamento das informações que recebemos dia após dia.

Embora o Brasil fulgure hoje com uma das principais potências do futuro e esteja na vanguarda de diversas áreas, como pesquisa e produção de energia sustentável, muito ainda necessita ser feito para que possamos alcançar um ritmo de desenvolvimento compatível com nossas necessidades. E boa parte desta empreitada não está ligada propriamente em ações políticas ou de ordem econômica, mas ao desenvolvimento do nosso próprio povo. Por muito tempo estivemos sob um sistema degradante que deixou marcas profundas em nossa formação; marcas que nos acompanham até os dias de hoje e que comprometem nossa caminhada.

Uma delas é a dificuldade de compreender que a liberdade está intrinsecamente ligada à responsabilidade e que para todo ato uma reflexão anterior é exigida; aquelas em que estejam envolvidos os interesses de outrem, principalmente. Ao contrário, popularizou-se a idéia de que é “esperto” quem consegue burlar as leis ou as normas para levantar vantagem. E ainda que não passa de “otário” aquele que buscar agir de forma correta dentro dos limites da lei e do bom censo. Pensamento que pode ter sido fruto de um processo cultural forjado de forma exclusivista, que durante muito tempo preocupou-se em delimitar e alargar a distância entre as classes. E que pouco se mostrou preocupado em desenvolver políticas inclusivas para uma população que se acostumou a viver sempre à margem.

Além disso, a falta de uma educação que, efetivamente, esteja comprometida ao ensino da reflexão é outro fator a ser considerado. Não há como exercer uma postura ética se não sabemos exercitar o próprio pensamento, se não foi criada uma base argumentativa que possibilite a construção do pensamento. Não uma postura que exija apenas a repetição de ensinamentos previamente oferecidos, mas uma postura pró-ativa em que o conteúdo oferecido inspire a busca de novas informações, possibilite a sua maturação para que esta seja transformada em conhecimento. E acima de tudo, que este conhecimento encontre espaço para ser compartilhado.  

Por fim, a ética é fator preponderante para que o progresso ocorra. Mas é preciso estar atento para o fato de que a ética pressupõe um exercício, e que o seu exercício é o próprio progresso, que se dá a cada dia. E que é ainda maior o progresso que ocorre em silêncio, na consciência de cada um de nós. É para este a que devemos direcionar todos os nossos esforços, sem esmorecer, para que possamos construir as bases do desenvolvimento. Termos em mente que é muito fácil transferir a responsabilidade para outras pessoas, buscar culpados para nossas agruras e infortúnios. Mas que o momento exige que assumamos a parcela da responsabilidade que nos cabe. E que para isso ocorra, é imprescindível abandonarmos a concepção de ética que ficou marcada pelas comissões formadas em função do caos de moralidade que se formou no cenário político e compreender que ela é elemento fundamental para contribuirmos para uma sociedade melhor e mais humana.

 

 

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Não Somos Pobres

Posted by flaviosaudade em 25/01/2009

 

 

Que mecanismos devemos utilizar para medir nossa posição na sociedade? Quais requisitos nos definem como pobres? E o que isto implica? Importa é que a pobreza somente existe no terreno das coisas materiais, quando as opiniões são fundamentadas naquilo que cada um veste. Enquanto que a natureza das coisas está na forma em que conduzimos nossas relações e nos valores aos quais atribuímos maior ou menor importância.

 

Desde cedo, somos condicionados a acreditar que ser pobre é ser menos, sempre menos. Ter menores chances de uma boa educação, de um bom emprego ou de um bom relacionamento. No entanto, ser pobre não implica ser menos. Somos iguais, apesar de nossas diferenças. Somos iguais, independente de pensarmos, vivermos e agirmos diferente. A pobreza e a desigualdade são espectros do mesmo infortúnio onde, possivelmente, seu efeito mais devastador esteja na privação do ser humano de empreender seu sonho. E pior ainda, de acreditar na realização dele. O que, muitas vezes , é um mal hereditário.

 

 Lamentavelmente, observamos, cada vez mais, que as relações humanas são baseadas no que cada um possui. A pobreza é vista como mal a ser combatido enquanto a riqueza é o bem maior no qual devemos empregar nossas esperanças, esforços e economias. Mudar de vida é a palavra de ordem. Mas que ordem é essa? A questão, é que ela tem corrompido cada vez mais as relações criando uma sociedade onde o bem material está acima daquilo que é essencialmente humano. Onde o capital é o grande gestor das relações e as inteligências são empregadas para a manutenção do poder e do lucro, fazendo da corrupção moral uma das maiores anomalias do mundo moderno.

 

No entanto, quando experimentamos olhar “para o que se carrega no coração” é que podemos, verdadeiramente, ter noção do valor de cada um. Não há pobreza quando, irmanados, vemos num olhar o potencial, a capacidade e os sonhos. Quando vemos que, apesar das dificuldades e das privações, ainda existem pessoas que escolhem agir de maneira correta, independente de as circunstâncias muitas vezes induzi-las ao erro; que optam por carregar pouco no bolso em lugar de abrirem mão de sua dignidade; que fazem questão de serem felizes e de cultivar o bem acima de qualquer coisa.

 

Num momento em que calculamos os efeitos de nossas ações na natureza, em que fazemos previsões sobre a existência futura no planeta, em que nos deparamos com a urgência da reposição das florestas, talvez seja a hora de cultivarmos uma nova consciência onde não nos sintamos superiores a tudo, mas igual e parte. Onde esteja garantido o direito maior de cada um, seja quem for e onde quer que esteja, de desenvolver-se em sua plenitude e de realizar as mudanças necessárias à sua humanidade. Pois o desenvolvimento é iminente e a evolução um direito irrevogável que não está condicionado aos mecanismos materiais, mas à vontade de cada um e a nós como o Todo. 

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Silêncio: Inocência ou culpa?

Posted by flaviosaudade em 25/01/2009

 

Será possível considerar alguém culpado pelo seu silêncio? Não é difícil encontrar por aí inocente que seja obrigado a permanecer calado, ou culpado que declare inocência. Ainda que existam provas suficientes do contrário. No caso de Capitu, estamos diante de um dos julgamentos mais longos da história nossa literatura. Acusação e defesa apresentam seus argumentos diante de um júri atento. Cada detalhe, por menor importância que pareça ter, poderá representar a absolvição ou a condenação. Dentre eles, dois merecem ser considerados. O primeiro é o fato de a história se passar através da perspectiva do protagonista.  O segundo, o ciúme, que surge vagarosamente e corrompe as páginas que pareciam estar predestinadas a qualquer veredicto, menos ao da incógnita.

 

Embora a história de Bentinho e Capitu provoque em nós as mais diferentes imagens, é preciso atentar para o fato de que, desde o início, as personagens e os acontecimentos são apresentados através da percepção do protagonista. Enquanto que uma história pode oferecer tantas versões quantos forem os envolvidos. Não apenas Capitu, mas todos os personagens, suas características, peculiaridades e até mesmo os possíveis desejos que lhes permeiam a alma eram descritos de maneira muito particular. Além disso, tal perspectiva apresenta fortes indícios de que o protagonista deseja induzir-nos a acreditar que a culpa precede o ato, quando parece insinuar que a inteligência e a sagacidade de Capitu poderiam ser apenas traços de uma tendência à obliqüidade e à dissimulação. Fato que pode ter uma agravante ainda maior, por sua percepção ter sofrido a influência de uma sociedade em que era costume a sujeição da esposa ao marido, quando o pensamento vigente era o de que a mulher deveria ser criada para debater a graça de um vestido, enquanto que o homem, o destino de um império. Sociedade que sempre tratou de forma muito particular “mulheres de espírito”, característica que em Capitu era denunciada desde a infância e que lhe rendeu os mais variados adjetivos.

 

Tal influência pode ter sido o elemento preponderante para que Bentinho se deixasse levar tão cegamente pelo ciúme. Sentimento que toma uma proporção tão grande que contamina até mesmo os momentos passados, quando o seu interesse por Capitu ainda não tinha se manifestado. Seu ciúme impregnava de tal forma seu imaginário e o angustiava, que mesmo o que se passava na cabeça da sua esposa era motivo de desconfiança. Ele busca por força uma confissão, fossem pelos gestos, fossem pelo olhar da esposa. Mas é ele quem confessa, quando afirma reparar em outras meninas. E é ele ainda, que afirma ter olhares mais que fraternais para a esposa do próprio amigo.  Fosse o caso da culpa preceder o ato… Além do mais, Bentinho dizia amar tanto a Capitu, mas não relata em momento algum que levasse consigo alguma lembrança que seja da sua amada, como as fotos da sua mãe e a do amigo Escobar, que permanecem penduradas no escritório. Ou ainda que lhe tenha escrito alguma carta, pois, como ele mesmo diz, todas as outras foram endereçadas ao amigo, ou ainda ao Manduca, que mereceu várias. Dessa forma, fosse o ciúme um direito, a prioridade em gozá-lo possivelmente não seria sua.

 

Por fim, é bem provável que a grande incógnita que nos provoca e inspira, não tenha sido o mérito de a traição ter ocorrido ou não. Mas, a estranheza que Capitu desperta em nosso inconsciente e a necessidade que temos de nos apegar às nossas certezas. Talvez tenha sido esta mesma incógnita a única responsável pela casmurrice que tomou Bentinho. Aquele que, apesar de ter compartilhado da companhia de sua esposa desde a infância, parecia desconhecê-la; aquele que teve o amor, este sim, traído pela dúvida. E será possível o amor onde houver dúvida? Seja qual for o veredicto, o julgamento cabe à consciência de cada um. Assim como a alma de Capitu, que para Dom Casmurro e para nós, continuará em silêncio.

 

 

 

 

 

 

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