Gingando pela Paz no Haiti

Relatos de um capoeirista em terras haitianas

Educar: um exercício de amor.

Posted by flaviosaudade em 04/02/2010

 

Educar é um exercício de amor. Um exercício que exige esforço continuo, ininterrupto. E esse é um exercício que fazemos todo SANTO dia. Desde o primeiro momento em que chegamos em Kay-nou, quando as crianças correm para falar conosco e não desgrudam mais, e nos seguem por todos os lugares e em todo tempo. 

Porém, hoje esse exercício parece ter exigido mais de nós. As crianças pareciam desanimadas, desinterssadas. E por um momento tive dúvidas se o problema era com elas ou se era eu quem não estava me esforçando o bastante. Senti-me realmente frustrado. Pequei o berimbau, sentei um pouco distante enquanto as observava. Algumas sorriam, outras falavam, outras ainda pareciam estar no mundo da lua, outras se estapeavam… 

Após algum tempo, percebi que estava cobrando-me demais. Era possível sim que eu não estivesse dando o meu máximo naquele dia, mas isso não deveria ser transformado em um problema. Pelo contrário, eu precisava respeitar o meu momento. Então, concluí que este amor, este exercício, em algumas ocasiões, tem de ser em benefício próprio, para não exijirmos tanto de nós ao ponto de acharmos que não estamos nos dedicando o bastante. Ser um educador é educar-se sempre. E educar-se sempre, é também aprender a lidar com os nossos limites, aceitá-los sem torná-los fantasmas e aprender a reconhecer o momento certo de estimular o aprendizado ou deixá-lo acontecer naturalmente. 

Esse “deixar acontecer naturalmente”, num primeiro momento,  pode soar como um descaso ou ainda nos trazer um sentimento de falta de organização ou método. No entanto, ele exige tanta atenção quanto qualquer outro. Neste momento, em que as atividades parecem acontecer por elas mesmas, devemos seguir em estado de vigia. Dessa forma, atentos a tudo, temos a chance de identificar boas oportunidades para o aprendizado; aprendizado que poderá ser compartilhado por todos. 

Dois exemplos que tivemos poderão esclarecer melhor. 

Estávamos em aula com os alunos antigos; uma turma bastante cheia. A turma estava divida entre aqueles que realizavam os movimentos e outros que esperavam a vez. Alguns alunos conversavam muito e tiravam a atenção daqueles que realizavam os movimentos. Até que chamei a atenção de todos para dizer-lhes que o primeiro que falasse iria embora. E não deu outra, logo um abriu a boca. No entanto, ao invés de retirá-lo, pedi para que ele me ajudasse na aula, dando a voz de comando para os alunos realizarem os movimentos. No início ele ficou bem envergonhado, com todos rindo dele. Mas, logo tomou gosto e já o fazia com entusiasmo. E aqueles que antes riam logo se aquietaram e se mostraram desejosos em estar no seu lugar. 

O segundo aconteceu durante a nossa aula de cântico, que realizamos todas as manhãs. As aulas objetivam receber as crianças menores, que ainda não estão em idade para participar dos treinos. Apesar disso, a faixa etária é bastante mista. Enquanto ensinávamos uma música, uma delas deu tapa em outra. Interrompi o ritmo e a chamei para perto de mim. Ela relutou, enquanto alguns a empurravam para que se levantasse. Então eu disse que ela tinha força para bater, mas não tinha coragem para vir para o nosso lado. Após relutar um pouco mais, levantou-se e veio para o nosso lado. Seguimos com a música, e ele ainda um pouco envergonhado, olhando para o chão, nos seguia. Porém, logo se soltou e começou a cantar mais. Ao final da aula, falei para todos que, apesar dele ter brigado durante a aula, ele teve de ter muita coragem para levantar-se e estar ao nosso lado, na frente de todos. E, por esta coragem, iríamos oferecer um presente para ele. O presenteamos com um cordão com um pequeno berimbau. E, claro, todos que riam dele, e que o empurravam para receber a punição, puderam perceber que assumir um erro e enfrentar as suas consequências às vezes pode exigir tanta coragem quanto cometê-lo. 

Assim, vamos aprendendo e ensinando, descobrindo a cada dia novas maneiras de compartilhar o conhecimento com esses pequenos-grandes heróis, de encontrar e exercitar este amor que nos anima e que nos faz estar mais próximos de Deus.

2 Respostas to “Educar: um exercício de amor.”

  1. andrea dum. said

    Pão , vestimenta, e instrução são básicos e essenciais….e dentro da situação que se encontra , mesmo que em alguns momentos se ache que se perde a força e a coragem.Vem do alto , instruir-vos!

    A educação moral, baseada em nossos exemplos, no aprendizado adquirido nos cultos religiosos , atividades educativas, e no encaminhamento bem cedo de nossas crianças , nossos próximo meio ao amor…faz com que o caminho reto seja seguida mesmo que hajam pedras, e pedregulhos ,a luz sempre estará apontada para o alto com a esperança e a ajuda fraternal. Jesus nos ensinou a amar aos outros e não apenas a si mesmos para que no futuro possam amar a todos indistintamente. “O amor é o fundamento eterno da educação”.

    E poder acreditar no trabalho feito por vc e equipe é digno de salvação e louvor.
    Educar é amar.
    É preciso se dedicar,
    ter paciência de esperar
    o resultado chegar. Tempo de Crescer.
    Ensinar e aprender.
    Educar é amar, por isso Pestalozzi não cansava de nos recomendar que: “O amor é o fundamento eterno da educação”.

    parabéns , felicidades e caminhos sem limites .

    beijo.

    • flaviosaudade said

      Oi Andrea, faz tanto tempo que nem sei mais se respondi a esta sua mensagem. Em realidade, faz muito tempo que não atualizo o blog…
      Mas, quero lhe agradecer novamente pelas palavras. Elas são realmente encorajadoras, inspiradoras. Nos fazem querem ir sempre mais
      adiante! Fraterno abraço! Saudade

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